(Palestra inserida na III Jornada Italo-Ibérica de Sofrologia Caycediana,
23 de Fevereiro de 2013, Milão, Itália)
"Diz-se que:
- é preciso morrer e renascer muitas vezes em vida, para a vivermos plenamente
- a vida é feita de ciclos e que vivemos num mundo dual
- nascer e morrer, inspirar e expirar, acordar e adormecer, é natural
- a vida é feita de movimento, e este acontece graças à dualidade
- é possível encontrar paz no meio da turbulência criada pelas oscilações
- a vida flui livremente em nós, quando aceitamos os opostos
Albert Einstein afirma: “A vida é como andar de bicicleta: para se estar em equilíbrio, é preciso estar em movimento.”
A polaridade é explicada no taoísmo através do Yin e Yang. Este revela que não pode haver manifestação no mundo físico sem polaridade. Um pólo não existe sem o outro. Mas também dizem que existe um ponto de equilíbrio entre as duas polaridades, um ponto neutro. É esse equilíbrio que Buda propõe: o Caminho do Meio. É ter a consciência que esses dois opostos vivem dentro de nós e têm permissão para se manifestar, de forma consciente.
Carl Jung percebendo a alquimia como um trabalho interior, encontra nela a base para a sua psicologia analítica e mergulha profundamente no seu estudo. Fala-nos no processo de individuação, que consiste no desenvolvimento da personalidade, e diz-nos que este só é possível com a integração da sombra na consciência. Para Jung, sombra é “a coisa que uma pessoa não tem desejo de ser”. Jung sabia que a sombra é perigosa quando não reconhecida, pois o ser humano projeta-a no mundo e nos outros, com tudo aquilo que ela tem de destrutivo, e passa a ser inteiramente escravo dela, até que seja reconhecida como parte de si mesmo. Jung diz-nos que embora sejamos levados a pensar que a sombra contenha apenas escuridão, não é possível haver sombra, se não houver luz. Desta forma, a sombra não é algo bom ou mau, é apenas uma faceta da natureza humana. Uma polaridade. Debbie Ford acrescenta: “Ter um lado sombrio não é possuir uma falha, mas sim, ser completo." Jung revela-nos que: “o ser humano não se torna iluminado ao imaginar figuras de luz, mas ao tornar-se consciente da escuridão”. Ele convida-nos a conhecer não só o nosso lado luz, como o nosso lado sombra mas, sobretudo, a encontrar e viver o nosso lado ouro; ouro enquanto preciosidade, luminosidade, integridade, unidade. Só aí o indivíduo se realiza como um ser único e inteiro. E acrescenta: "Prefiro ser íntegro a ser bom."
A sofrologia convida-nos a descobrir, entre muitas coisas, os nossos estados de consciência. A consciência patológica e a sua falta de luz, por exemplo. É onde habita uma parte da personalidade que ainda está latente e que ainda não foi iluminada pela Consciência. Com o tempo e a prática do Relaxamento Dinâmico de Caycedo, percebemos que a sombra não possui, porém, somente aspectos negativos. Possui também aspectos que impulsionam o ser humano para a criatividade e para a busca de soluções inspiradas, quando os recursos conscientes se esgotaram. Que nos orientam para outra consciência. Conquistar a consciência sofrónica implica um caminho. Assim, este estado funciona como um princípio unificador dos opostos, transformando a vivência da dualidade, na vivência da unidade que integra naturalmente as polaridades. Assim tem sido o papel da sofrologia na minha vida. Vivencio a gravidez e a maternidade como uma nova fase na minha vida que, apesar de diferente de todas as outras é igual na sua essência.
Ouço outras mulheres e homens falarem sobretudo do momento do parto e percebo que muitos deles, encaram este momento com muito medo, procurando no seu exterior toda a segurança possível. Esquecem-se que o medo pode ser utilizado para nos lembrar que a verdadeira protecção está dentro de nós. E quando esses, que encaram o parto com preocupação, me ouvem falar, sobre a minha visão, as minhas crenças, os meus projetos, fica bastante claro que estamos a falar de realidades muito diferentes, não percebendo que para mim o parto não é apenas um acontecimento fisiológico, ele é também existencial. Curiosamente, aquelas pessoas, homens ou mulheres, que vivem ou já viveram as suas metamorfoses, com consciência, quando me escutam, não só me compreendem, como me inspiram.
Um dia li uma entrevista feita a Laura Gutman que penso estar adequada ao parto fisiológico ou existencial. Nesta, ela diz: “Existem aspetos que não são controlados cientificamente e que ultrapassam a nossa consciência. Mesmo com toda a tecnologia existente, há um momento no parto que não há nada a fazer a não ser confiar na própria Existência, entregar-se à Vida e à Natureza”.
Isabel Allende, no seu livro Paula, escreve: “Chega um dado momento, quando a viagem começa, que não pode mais ser interrompida. Descemos vertiginosamente para uma fronteira, passamos por uma porta misteriosa e acordamos do outro lado para uma vida diferente. A criança entra no mundo e a mãe alcança um novo nível de consciência; nenhum dos dois será o mesmo de antes". O mistério do parto é ao mesmo tempo um mistério de morte e nascimento. A mãe passa por um processo, onde a dor é inevitável. Porém, é apenas uma transição para uma vida que nasce (a do bebé) e uma vida que "renasce" (a da mãe).
A dor, seja física, seja moral, é um mecanismo natural para a preservação da vida e do amor. Ela surge quando alguma coisa saiu do equilíbrio e oferece a motivação necessária para ir ao encontro de uma solução. A dor é o veículo para o recolhimento, para a introspecção. No parto fisiológico ela convida a mulher a sair do mundo das formas e entrar no mundo dos fenómenos para superar a própria dor. Para isso é preciso aceitá-la como algo natural. Caso contrário, a resistência à dor transforma-se em sofrimento.
Observo a sociedade que me rodeia e apercebo-me como ela investe fortemente no sentido de minimizar (se possível, anular) todo o sofrimento associado ao parto seja fisiológico, seja existencial. Na busca deste objetivo, anulou a possibilidade de vivenciar a Vida ela mesma. O abuso da medicação quer garantir que se consegue anestesiar as percepções e negar as sensações naturais. Acabou por rejeitar a natureza da pessoa, transformando-a num autómato. Transportá-la para uma realidade vazia, onde as emoções deixam de ter o seu tempo e espaço próprios.
Michel Odent, parteiro francês, residente em Londres, fala-nos que mais importante que defender o parto natural é procurar recuperar o parto mamífero nos seres humanos. O que é o parto mamífero? É o parto no qual se procura atender e satisfazer as necessidades universais que todos os mamíferos em trabalho de parto têm, que é sentirem-se seguros e terem privacidade. Para isso, devemos aprender a eliminar tudo o que interfere com este processo e isto inclui o excesso de procedimentos medicalizados que bloqueiam a libertação das hormonas naturais. Que hormonas são essas? Várias mas vou destacar a ocitocina. Ela é a hormona do amor que permite desenvolver um bom parto e pós-parto. Esta é uma hormona tímida. Precisa de condições para ser sintetizada. O que é curioso, é que ela só aparece se o corpo não estiver a produzir adrenalina, a hormona da emergência.
Um parto é algo que despoleta uma situação altamente stressante do ponto de vista biológico, emocional e psicológico. Quando há medo, insegurança, desconforto, frio, os mamíferos, as pessoas, libertam adrenalina. Mais uma vez, aqui se destaca a importância da sofrologia, para gerir stress. Resolve a adrenalina e oferece a ocitocina. E transforma qualquer parto, seja ele, mamífero, natural ou normal, num parto de amor. Odent considera que “para mudar a humanidade, e reduzir a violência na nossa sociedade, primeiro é preciso mudar a forma de nascer”. Para isso, é preciso começar a reconsiderar os valores em que queremos basear a nossa individualidade e a nossa sociedade.
A oportunidade de renascer e “darmos à luz” nós mesmos é um rito de passagem, uma possibilidade de amadurecimento, um momento de superação, um exercício profundo de entrega. É uma grande oportunidade para o auto-conhecimento, para mergulharmos nos aspectos ocultos da psique; para deixarmos que luz e sombra possam emergir em nós e revelar-se. Darmos à luz a existência é “darmo-nos à luz”, é deixarmos que a luz da consciência nos inunda e nos liberte daquilo que aprisiona a nossa essência, o nosso Ser. Só assim podemos tornar-nos os protagonistas da nossa vida, sentirmo-nos realizados e confiantes.
Morrermos em vida e renascermos, nada mais é do que enterrarmos as velhas crenças sabotadoras, de oferecermos um novo olhar sobre os acontecimentos e darmos um novo significado aos momentos menos positivos. Termos a coragem de abraçar o desconhecido, estarmos em paz com as perdas e assumirmos a mudança. Desejarmos que o amor esteja presente em todos os partos, sejam de homens ou mulheres, ao longo de toda a vida. É fazer diferente, é permitir que novas possibilidades se revelem, é acreditar no próprio brilho e construir um presente infinitamente melhor. E compreendermos que só assim podemos modificar o mundo."
Ana Viegas Cruz